O jornalismo precisa de você, leitor
Até bem pouco tempo atrás uma afirmação como a contida neste título seria considerada uma heresia e uma violação dos princípios profissionais. É que os jornalistas detinham a exclusividade na confirmação e contextualização de fatos, dados e notícias, porque eram poucas as fontes de informação. Mas isso mudou radicalmente.A internet provocou uma avalancha informativa inédita na história da humanidade, os profissionais do jornalismo já não dão mais conta da checagem de fatos e com isso são atropelados pela onda de denúncias como as que assistimos atualmente na política brasileira. O resultado são matérias capengas que deixam mais dúvidas do que respostas, como acaba de mostrar o meu colega Mauro Malin, aqui no OI.
A maioria dos jornais simplesmente ignora a grande e crescente diferença entre a oferta (material produzido por jornais) e a demanda (avalancha informativa descontextualizada), mas alguns grandes veículos como o norte-americano The Washington Post e outros bem menores, como o também norte-americano The Register Citizen, de Torrington, Connecticut, criaram sistemas onde os leitores podem corrigir informações erradas ou acrescentar detalhes omitidos na reportagem.
São softwares extremamente simples, e alguns até gratuitos, que permitem ao leitor complementar o trabalho do repórter ou editor incorporando-se à produção de informações — numa atividade que, no final das contas, vai servir para todos nós. A participação do leitor no processo de coleta e verificação de notícias está longe de diminuir a relevância do jornalista profissional na produção de informações de interesse púbico.
Só que ele não pode mais executar essa tarefa sozinho. O volume de trabalho cresceu demais e as empresas de comunicação passaram a ter outras prioridades na tentativa de salvar seus investimentos. O que os jornalistas deveriam fazer agora é descer do pedestal e propor mecanismos que permitam a participação do leitor na checagem de informações, porque a publicação de fatos e dados errados é a principal responsável pela desinformação pública e pelas notícias enviesadas para beneficiar este ou aquele político, empresário ou personalidade.
Os leitores estão sendo chamados a assumir uma responsabilidade que é algo novo para a esmagadora maioria das pessoas. Fomos todos educados para consumir de forma passiva as notícias publicadas na imprensa, depois digeridas sem qualquer restrição, e que acabavam condicionando nossas decisões. O leitor precisa saber que isso mudou e que ele acabará pagando as consequências do erro não corrigido.
No passado era muito difícil retificar uma informação jornalística publicada por conta dos procedimentos burocráticos. Mas, hoje, o leitor pode ter a seu dispor ferramentas tecnológicas que facilitam enormemente essa tarefa. A imprensa brasileira ainda não deu à participação do leitor na correção de erros o mesmo destaque dado por alguns jornais estrangeiros.
Jornais como Globo, Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo usam as ferramentas do Twitter e do Facebook basicamente para colher reações dos seus leitores. As principais reportagens do Globo e Estadão têm áreas de comentários de leitores, enquanto a Folha disponibiliza uma seção semanal para opiniões de seu público. Mas todos esses jornais dedicam à participação do leitor uma atenção quase secundária, demonstrando que ainda falta muito para que assumam a real dimensão do papel do público na nova ecologia informativa gerada pela internet.
O leitor deixou de ser basicamente um índice nos relatórios de audiência para anunciantes. Também não é mais só um mero consumidor a ser seduzido com prêmios e facilidades de pagamento. O cidadão que compra jornal, ouve rádio, assiste à TV ou visita páginas jornalísticas na Web passou a ser um parceiro — e a mídia tem tudo a ganhar se deixar de vê-lo apenas como um cliente ou uma pessoa que pode ajudá-la a conseguir mais anúncios.
A participação do leitor é uma necessidade, mas tem também os seus problemas. O maior deles é a falta de conhecimentos mínimos sobre como trabalhar com informação, em especial sobre credibilidade do dado, fato ou notícia. Caberá aos jornalistas dar ao público o preparo necessário.
Muitos profissionais poderão dizer que treinamento de leitores não é sua responsabilidade. Mas os jornalistas que já testaram a mudança de relação com o público não têm do que se queixar. Aqui mesmo neste blog, foram os leitores que me corrigiram dezenas de vezes e sem eles eu já teria passado por maus momentos.
Por Carlos Castilho em Observatório da Imprensa
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