segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Todo o dia é Dia do Poeta

Poetas são sensíveis, poetas são exemplos, espelhos. Poetas são ricos ou pobres, felizes, infelizes. Sem raça, sem credos, sem rotinas. Desprendidos, com  aguçadas retinas; são tantos, por isso são assim: sem forma.
Deixam de ser ingênuos quando se comprometem com os outros, com o mundo. Deixam de ser modestos quando apresentam a sua história. Deixam de ser pioneiros, quando retratam companheiros. Escondidos ou revelados, não importa, o anonimato os põe em evidência na confecção do universo e das linguagens.
Poetas cantam hinos, se revoltam, riem, choram. São estranhos, estrangeiros, sofridos, puros, íntegros na concepção de linhas. E, falam, se exaltam, escolhem, se encolhem no desabrochar  de perfis. Solitários, rígidos, complacentes, displicentes, inerentes a inovações; encarnados em multidões. Sorrateiros, sombrios, alegres, imediatos, nostálgicos, surpeendentes...
Poetas são relevantes, vozes, palavras, pensamentos, textos, guerreiros...
São gente, são povo, são poucos e muitos ao mesmo tempo em dias de glória, de fé, de solidão...
Ah! Se eu soubesse falar melhor dos poetas, não diria que eles são só humanos.
                                                                        

Quantos poetas existem nos lares, escolas, na vida!
 Descubra o poeta que existe em você, afinal tudo começa assim, com perguntas e reflexões.

Por que posso ser poeta?
Por que não gostaria de ser poeta?
O que sinto quando leio uma poesia?
O que penso quando ouço a cigarra, o pássaro, crianças sorrindo?
O que sei quando acontece a dor, a explosão, o arrepio?
O que quero contar de mim, do mundo, dos outros, baixinho, baixinho...
Quem é este que descreve o vento, a vida e tira o véu do inviolável tecendo novas manhãs?
Quem é esta que debruça sobre tristeza ou alegria e perpetua em janelas sorrisos ou lágrimas em  vasos de flor?
Quem somos nós, artistas, enquanto sobrevivemos e sentimos o frescor ou a aridez da criação?

Para refletir, acordar ou sonhar, vejamos o que poetas noz dizem:

"O estilo nem por sombra corresponde a um simples culto da forma, mas, muito longe disso, a uma particular concepção da arte e, mais em geral, a uma particular concepção da vida."
-- Léon Tolstoi



Cântico I                      
Não queiras ter Pátria.
Não dividas a terra.
Não dividas o céu.
Não arranques pedaços ao mar.             
Não queiras ter.
Nasce bem alto.
Que as coisas todas são tuas.
Que alcançará todos os horizontes.
Que o teu olhar, estando em toda parte
Te ponhas em tudo,
Como Deus.

                         Cecília Meireles
                                           
                                                          Cântico II                                                    


Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens...
não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabes que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade.
 
És tu.                                                   
                                  Cecília Meireles


Autopsicografia 

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
    
                                                        Fernando Pessoa

(...) Vi todas as coisas, maravilhei-me de tudo, Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri. vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos, E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse, Amei e odiei como toda a gente, Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo. E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo. (...)"

                                    Álvaro de Campos -  Passagem das Horas 


"Uso palavras em liberdade. Sinto que o meu copo  
é grande demais para mim, e inda bebo no copo   
dos outros.  
Sei construir teorias engenhosas. Quer ver ? "
   
                                                                  Mário de Andrade







"Eu me contradigo ?
Pois muito bem, eu me contradigo,
Sou amplo, contenho multidões".
 

"Não importa o tempo ou o lugar - a distância não importa,
Estou com vocês homens e mulheres de uma geração, ou de muitíssimas gerações por vir."
                                                      Walt Whitman 



                      
Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles

 

Eu nada entendo 

Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente…

 E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda gente,





Nem é deste Planeta… Por sinal
 Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal…

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda…


Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
Nossos comuns desejos e esperanças!

                        Mário Quintana                             

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